quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Festival de comida coreana no Grand Caffè do Hyatt

Começou ontem o Festival de Comida Coreana no Grand Caffè, do Hotel Hyatt. Fui ao almoço inaugural a convite do Consulado da Coreia e recomendo enormemente a quem, como eu, gosta de comida apimentada com muitos vegetais, algo adociada e diversificada em texturas e sabores.
É uma oportunidade rara de se degustar vários pratos representativos desta cozinha bem temperada e cheia de boas intenções, afinal grande parte dos pratos coreanos tem alguma função medicinal além de servir ao paladar. Os vários tipos de Kimchi (de pepino, de acelga, de nabo), por exemplo, são preparos quase mais terapêuticos que culinários e ainda assim são fabulosos - pelo menos para quem gosta de muita, mas muita pimenta. E eu gosto.
Se possível, prove de tudo. Mas se tiver que escolher, não deixe de experimentar o cozido de costela com jujubas secas (as frutas, não as balas) que tem o nome de Galbi jjim e a panqueca com frutos do mar e cebolinha - pajeon. E, claro, tem todos os clássicos como o churrasco - bulgogi e o bilimbab - aquela espécie de risoto em que o arroz cozido é misturado na hora com vegetais previamente preparados e temperado com molho bem apimentado. Dentre os mais de trinta pratos, repetiria todos.
Tem ainda as bebidas, como o ponche de caqui delicioso combinando o doce, salgado, amargo, ácido e adstringente, tudo harmoniosamente. E as sobremesas quase sem açúcar - que afinal já apareceu em vários pratos salgados. Por fim, cumprimente os chefs Cheong Il Kim e Min Jun Park, que vieram do Hyatt Regency Incheon, de Seul, especialmente para o festival.
De 29 de setembro a 1 de outubro - almoço das 12 às 15 horas - R$ 75,00 por pessoa (sem bebidas)
De 29 de setembro a 2 de outubro - jantar das 19h30 às 23 horas - R$ 95,00 por pessoa (com bebidas não alcóolicas e cerveja)
O Grand Caffé fica no Hotel Hyatt - Avenida das Nações Unidas, 13.301 - São Paulo - Tel.: 11-2838-3203
Tirando as frutas, de tudo provei. Clique e amplie:
Veja também sobre o banquete coreano a que fui no ano passado.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sete-copas. A amêndoa


O método que usei para extrair a amêndoa foi meio primitivo - uma pedra e um pedaço de madeira (às vezes com meu dedo entre as duas coisas, ai). Mas, como tudo, pode ser aprimorado.
Já falei um pouco da planta e da polpa dos frutos da sete-copas. Agora, falo da amêndoa. Por aqui, ninguém dá a mínima pra elas, mas são gostosas, crocantes, suaves, lembram amêndoas de verdade e podem ser comidas cruas. É um grande potencial desperdiçado. Na Nigéria é muito apreciada como petisco; em Taiwan é considerada afrodisíaca além de um ótimo alimento; na Índia, Malásia e várias outras partes do Sudeste Asiático é facilmente encontrada nos mercados e usada em muitas receitas doces e salgadas. As minhas estavam muito frescas, leitosas e ainda se despetalando, mas ficam mais densas e crocantes à medida que o fruto seca. O certo seria ter descascado os frutos e ter deixado secar ao sol por uns 7 dias. Ainda assim usei sobre o arroz, douradas em manteiga.

Aqui vemos duas variedades de frutos - vermelho e verde amarelado. Para quem quer se aprofundar nas potencialidades nutricionais destes frutos ricos em vitamina C, este artigo da University of Pune, na Índia, pode ser um começo.
As amêndoas são ricas em carboidratos (cerca de 78%) e gorduras (cerca de 16%), além de vitaminas e minerais importantes, como o fósforo. Para saber os teores de outros nutrientes, veja o artigo Nutritional Potential of the Nut of Tropical Almond (Terminalia catappa L.) publicado no Jornal de Nutrição do Paquistão.

Quando muito frescas são leitosas e se desfazem em pétalas, contendo o embrião
Veja umas fotos de extração da amêndoa no Flickr, aqui e acolá. E foto da quebra com faca sobre a pedra na Malásia. E, da Malásia também, veja este blog que traz uma receita de bolo com kanamadhu, um dos nomes pelo qual é conhecida a amêndoa de sete copas por lá. O material para pesquisa é vasto. Basta procurar pelo mundo todo usando aqueles nomes que citei no post anterior. Veja mais uma receita em que ela aparece, aqui.
Extraí as amêndoas batendo uma pedra sobre as sementes já despolpadas. Piquei, dourei na manteiga e espalhei sobre o arroz integral já cozido. Mas esta é só uma ideia. De resto, as amêndoas da sete copas podem ser usadas como as amêndoas verdadeiras, nozes ou avelãs - em receitas doces ou salgadas. E o bom é que são gostosas mesmo cruas.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sete-copas. O fruto

Continuando o post de ontem, volto a falar da amendoeira-da-praia ou sete-copas. Pelos comentários do O que é, o que é? pude descobrir uma porção de nomes, como chapéu de caiçara, castanhoeira ou castanhola, coração-de-nego, guarda-sol, sombreiro, figueira-da-índia, cuca ou amendoeira indiana, além daqueles mais universais como sete-copas, sombreiro, chapéu de praia etc.
Originária da Ásia, o certo é a que a planta Terminalia catappa gosta de solos arenosos, mas se dá bem em qualquer outro. Por isto, está espalhada em todo o mundo, com nomes como: "(Arabic): Brasilia, (Bengali): bangla-badam, (Burmese): badan, (Creole): zanmande, (Dutch): wilde amandel, (English): Barbados almond, bastard almond, Bengal almond, country almond, demarara almond, false kamani, Fijian almond, Indian almond tree, Malabar almond, Malay almond, myrobalan, sea almond, Singapore almond, story tree, tavola nut, tropical almond, West Indian almond, white bombway, (Fijian): tavola, tivi, (Filipino): dalinsi, kalumpit, logo, talisai, (French): amandier de Cayenne, amandier des Indies, amandier des tropiques, badamier, (Hawaian): kamani-haole, (Hindi): badam, bahera, deshibadam, (Indonesian): ketapang, (Khmer): barang, châmbâk, kapang, pareang prang, (Lao (Sino-Tibetan)): ‘hou kouang, hu kwang, sômz moox dông, (Malay): jelawai ketapang, jilawa, ketapang, lingkak, mentalun, telisai, (Mandinka): gyerte-tubab, (Pidgin English): reddish brown terminalia, (Português): amendoeira, castanola, chapeu de sol, guarda-sol, parasol, (Samoan): talie, (Sanskrit): rahadruma, (Spanish): alconorque, almendra, almendras, almendrillo, almendro, almendro de la India, almendro del pias, almendron, castana, kotamba, (Swahili): mkungu (Tamil): natvadom, tani, tanti, (Thai): dat mue, hukwang, khon, taa-pang, (Trade name): bastard almond, Indian almond-wood." Estes nomes e outras informações a respeito da planta você encontra aqui.
A árvore ainda é pouco explorada em toda sua potencialidade, afinal as folhas são usadas em aquários para diminuir o Ph e o teor de metais pesados da água, o extrato das folhas é usado na medicina - depois falo das folhas, a madeira é resistente e útil para a fabricação de canoas e na construção civil e os frutos são comestíveis (quando os morcegos frugívoros nos deixam), sendo que a castanha nem precisa ser torrada para se comer.
Ainda assim, muitas amendoeiras tem sido cortadas de nossas praias pois é considerada invasora no litoral do Sudeste, fazendo muita sombra e prejudicando o desenvolvimento de outras árvores nativas. Já no paisagismo, reclamam de suas folhas que forram o chão lindamente na época de muda. Não sei como é o impacto ambiental provocado pela árvore na área urbana, o que sei é que a planta mexe com os ânimos, comove até. E não destroi as calçadas pelo que vejo.
Quando é lá para o meio de agosto, quando o clima está seco, as folhas começam a ficar amarelas. Vão avermelhando com a secura do tempo e caem antes que as folhas novas despontem no começo da primavera. Algumas folhas grandes, coriáceas e coloridas resistem até o último momento, quando os brotinhos novos ou o vento forte a derrubam à força. Depende de onde estejam as árvores, mais ou menos expostas ao sol, a muda pode acontecer mais tardia ou precocemente ainda que estejam no mesmo bairro. Foi o que observei por aqui.
Enquanto na minha rua as amendoeiras estavam ainda peladas com borboletinhas de folhas despontando, a árvore da Veronika, aqui bem perto, já estava fazendo sombra verde com folhas já grandes. Pode ser também que a diferença seja em relação à variedade, já que os frutos da árvore da Veronika são verde amarelados, enquanto os outros, com folhas mais vermelhas e queda tardia, são de um vermelho-vinho intenso. As folhas são ricas em flavonóides (quercitina, canferol), taninos, saponinas e fitoesterois, além de pigmentos luteína, zeaxantina e violaxantina. Por isto, são muito requisitadas como medicamento caseiro.
Mas não vou falar das folhas, agora é a vez dos frutos: colhi alguns dos vermelhos, mas eram poucos os aproveitáveis. A maioria dos que estavam caídos era de frutos mordidos por morcegos ou periquitos. E coletei do chão muitos do verde na casa da Veronika.
Criança costuma comer direto do pé e, pelos comentários do post da charada, vê-se que muitos têm saudade deste tempo. Mas parece que não é reconhecido como fruto que vá à fruteira, embora a polpa seja ácida e doce e agradavelmente perfumada. Frutos verdes lembram peras e os vermelhos remetem ao aroma de jambo (foi o que senti). Adultos podem não achar muita graça em roer os frutos de polpa escassa e muito fibrosa (seis feixes vasculares se misturam à carne). Mas na cozinha podem ter muitas utilidades, já que, fora ser fibroso, não há nada no fruto que o desabone e nenhuma dúvida paira sobre o fato de ser comestível. Pelo contrário, além de ser muito nutritivo, a acidez, o perfume e a ligeira doçura são bons requisitos para um bom ingrediente.
Pena que não tive muitos frutos para trabalhar, por isto deixo apenas algumas ideias de uso, mas as possibilidades são infinitas. Tanto para a polpa quanto para a amêndoa - também falo dela depois.

Lave bem os frutos, coloque-os em solução para higiene de verduras, enxague e descasque com uma faquinha afiada, tirando só a pele. Depois, tire a polpa até encostar na semente. Reserve as sementes, que podem ser quebradas para tirar a amêndoa.


Frutos descascados - o vermelho fica ainda mais colorido próximo à semente.
Marmelada: cozinhe a polpa (aqui a verde, mas pode ser a vermelha) com água que cubra os pedaços. Deixe no fogo baixo até que fique muito macia e com quase nada de líquido. Passe por peneira e junte metade do volume de açúcar. Volte a panela ao fogo e, mexendo de vez em quando, deixe até soltar do fundo da panela. Use como recheio ou com queijo.

Suco: bata pedaços de polpa de sete-copas com água - algo como meia xícara de pedaços de polpa para meio litro de água. Coe, adoce e sirva com pedaços de limão e gelo. Um suco para ninguém duvidar de seu sabor (aqui fraquinho, mas ficará melhor se feito com mais polpa ou ao seu gosto).
Geleia: Fiz uma geleia aproveitando a pectina da maçã verde, numa proporção de 500 g de maçã para 150 g de polpa. Ao caldo coado, juntei açúcar. O jeito de fazer, guardando as devidas diferenças de ingredientes, é como o da geleia de pimenta, que você pode conferir aqui.



Merengue: usei o suco de sete-copas vermelho e engrossei no fogo até formar uma calda grossa em ponto de bala mole. O jeito de fazer foi o mesmo que usei no marshmallow de cambuci, só que, em vez da calda de cambuci, usei o suco de sete copas coado. Quanto mais forte, mais rosado vai ficar o merengue. Aproveitei as gemas que sobraram para fazer um creme de confeiteiro que temperei com essência orgânica de baunilha e raspinhas de limão. Botei o merengue por cima e espalhei geleia de amora diluída. Em outro, pinguei por cima gotas da geleia derretida do próprio sete-copas. Mas você pode usar para decorar tortas ou cobrir bolos.



A árvore, desde que não deformada por podas, tem copa simétrica com galhos quase horizontais. Uma das características é perder as folhas no tempo da seca. Aqui no Sudeste, a seca coincide com o frio ou quase sempre e, segundo a Veronika - a dona da sete-copas da terceira foto, a árvore pelada facilita a entrada do sol fraco para aquecer o quintal no inverno, enquanto no verão as folhas grandes e verdes barram o sol forte, fazendo gostosa sombra fresca. Daí um de seus nomes: árvore guarda-sol.

Tata, a guardiã dos frutos da sete-copas caídos no quintal da Veronika.

Sete-copas. As folhas

Depois de ter falado da planta, da utilidade da polpa dos frutos maduros e das amêndoas, só me restaram as folhas. Elas têm meio ou um ano, dependendo do clima, para ir do verde vivo ao amarelo, laranja e vermelho, quando, já com textura coreácea, são empurradas pelas novas folhinhas que despontam em duplas como uma borboleta pousada nos galhos nús. O amadurecimento das folhas acontece no tempo seco. Vários estudos mostram a composição das folhas, ricas em flavonóides (quercitina, canferol), taninos, saponinas e fitoesterois, além de pigmentos luteína, zeaxantina e violaxantina. Por isto, são muito apreciadas como medicamento caseiro e com potencial farmacológico por sua atividade como antioxidante, antiinflamatória etc.
Mas o uso mais popular das folhas de sete-copas não é como remédio e sim por sua função como diminuidor de Ph da água. Então, é comum encontrar "tropical almond leaves" vendidas em amarradinhos de 10 ou 20 folhas secas em sites de aquarismo por preços variáveis. Neste site, por exemplo, 20 folhas saem a 6 dólares, mas custava o dobro antes de estar em oferta. Aqui você pode ver muitas imagens destas folhas quase sempre relacionadas à criação de peixes. Se procurar também com seus outros nomes mundo afora, vai encontrar ainda mais.
Se eu conseguisse vender em dólar todas estas folhas que encontrei ontem amontoadas numa praça depois de uma poda radical de amendoeira, acho que conseguiria jantar num bom restaurante.
No mesmo amontoado havia folhas verdes e vermelhas, frutos verdes e maduros e espiguinhas de flor
Não tenho a mínima ideia se é verdade ou mito o que se diz a respeito da folha, mas o que se vende é que é um recurso natural muito utilizado por criadores asiáticos de peixes tropicais (aruanã, betta, disco etc) para estimular a procriação, aumentar a fertilidade e promover a saúde e vitalidade de peixes. As folhas podem servir também para simular as condições da água escura, ambiente natural destes peixes tropicais. Dizem que elas apresentam propriedades anti-bacterianas e anti-fúngicas. Além de tornarem a água mais ácida, parece que absorvem substâncias químicas prejudiciais aos peixes e ajudam a realçar a cor natural dos peixes. São ideias para o transporte de peixes em recipientes sem filtro. Basta uma folha por 10 a 16 galões de água e só depois de uma semana deve ser trocada. Deixo a pesquisa para aquaristas. Meu negócio com peixe é outro.
Comecei embrulhando sardinhas
Neste trabalho sobre a Terminalia catappa na agrofloresta, que além de fotos muito didáticas traz informações detalhadas sobre a planta e seus usos, como por exemplo que os frutos frescos são usados numa bebida fermentada nas Filipinas, encontrei a seguinte informação "The leaves are infrequently used to wrap and carry food".
A mesma dica, de servir como envólucro ou apoio biodegradável encontrei no livro de Cozinha Regional Japonesa, de Shizuko Yasumoto (olhe só, descobri agora que o
livro está todo aqui, com foto e tudo, em Pdf - veja a página 97). Ela sugere trocar a folha de ho (um tipo de magnólia) pela folha de chapéu-de-couro, outro nome para o sete-copas. E a foto parece mostrar uma folha da própria sete-copas e não de ho (mas podem ser muito parecidas, não sei).
Foto de Houba Miso, do livro de Shizuko Yasumoto
Veja o que diz a autora: "Houba miso - Grelhado de miso na folha de ho. É um prato típico da região de Hida, que utiliza as folhas cheirosas da árvore ho, que se espalham ao sopé das montanhas do nordeste até Gifu, e florescem no início do verão. As folhas que caem são colhidas e armazenadas. Antigamente, de todas as casas dos camponeses, emanava um cheiro agradável destas folhas sendo grelhadas. No Brasil, elas podem ser substituídas pela folha de chapéu de couro ou de ameixa"
Outra utilidade das folhas como embrulho é para fazer tempeh, à base de sojha fermentada. Veja aqui: "The inoculated beans are then placed on covered trays, in a layer no thicker than 2 inches, so that sufficient oxygen is available on the bean surfaces for mould growth. Small holes in the trays are also beneficial in ensuring sufficient oxygen supply. In addition to oxygen, the mould grows better in high humidity levels (75-78%). However, no liquid water should be in contact with the beans (Farnworth 2008). Traditionally, the inoculated beans would have been wrapped large leaves, such as wilted banana leaves or tropical almond leaves. Fonte: Tempeh: A Mold-Modified Indigenous Fermented Food Made from Soybeans and/or Cereal Grains, de Kathleen A. Hachmeister and Daniel Y. C. Fung - veja o trabalho completo aqui.
De minha parte, vou começar a usar para embrulhar peixes ou broinhas de fubá. Gostei também da experiência de intercalar as folhas bem limpas e secas nos potinhos empilháveis - para não colabar ou riscar. E como pratinhos para petiscos. Que mais?
Como separador de pratos e potes

Pratos biodegradáveis feitos com folhas de Terminalia catappa

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Amendoeira-da-praia ou sete copas. Resposta à charada do post anterior


Pois é, leitor ou leitora, desculpe-me o atraso. Queria ter postado mais cedo a resposta, não deu. Mas também que graça teve esta charada? Estou ficando muito previsível. Todo mundo sabia. Devia ter aberto o fruto e exposto só a castanha ou a castanha descontruída em pétalas. Aí queria ver tantos acertos assim.
Brincadeira à parte, fico feliz de saber que muita gente conhece a amendoeira-da-praia ou sete-copas. O que não se vê muito por aqui é o uso da polpa e da amêndoa do fruto da amendoeira da praia ou Terminalia catappa.
Por fim, o dia está caducando e tudo o que fiz foi um video apressado com as fotos só porque não consegui sintetizar todo o material que encontrei mundo afora. É muito assunto. Então, não vou falar mais nada hoje, só mostrar.
Vou falando e mostrando melhor nos próximos dias. Ou tudo de uma só vez amanhã. Vai depender do tempo e do trabalho. Mas agradeço a todos que responderam, pois assim fiquei conhecendo mais alguns nomes para este fruto de bichos que homens também comem. Gosto azedinho, doce, bom para sucos, marmeladas, geleias. Tem do verde e do vermelho. Um lembra pera verde e o outro, jambo, no aroma. O difícil concorrer com os morcegos e as maritacas. Mas falo mais amanhã da árvore, dos frutos, das folhas vermelhas e das receitas que fiz.
Por enquanto, fique com o vídeo e com o lindo texto do Drummond indicado pela Ana nos comentários, que eu vou preparar o jantar, louca que estou para usar as orelhas de pau que encontrei hoje fresquinhas depois das chuvas de primavera.





Fala, amendoeira
Esse ofício de rabiscar sobre as coisas do tempo exige que prestemos alguma atenção à natureza - essa natureza que não presta atenção em nós. Abrindo a janela matinal, o cronista reparou no firmamento, que seria de uma safira impecável se não houvesse a longa barra de névoa a toldar a linha entre o céu e o chão - névoa baixa e seca, hostil aos aviões. Pousou a vista, depois, nas árvores que algum remoto prefeito deu à rua, e que ainda ninguém se lembrou de arrancar, talvez porque haja outras destruições mais urgentes. Estavam todas verdes, menos uma. Uma que, precisamente, lá está plantada em frente à porta, companheira mais chegada de um homem e sua vida, espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino.
Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais, alguns fios eléctricos lhe atravessam a fronde, sem que a molestem, e a luz crua do projetor, a dois passos, a impediria talvez de dormir, se ela fosse mais nova. Às terças, pela manhã, o feirante nela encosta sua barraca, e ao entardecer, cada dia, garotos procuram subir-lhe o tronco. Nenhum desses incómodos lhe afeta a placidez de árvore madura e magra, que já viu muita chuva, muito cortejo de casamento, muitos enterros, e serve há longos anos à necessidade de sombra que têm os amantes de rua, e mesmo a outras precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes.
Todas estavam ainda verdes, mas essa ostentava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho, gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom - cor final de decomposição, depois a qual as folhas caem. Pequenas amêndoas atestavam o seu esforço, e também elas se preparavam para ganhar coloração dourada e, por sua vez, completado o ciclo, tombar sobre o meio-fio, se não as colhe algum moleque apreciador do seu azedinho. E como o cronista lhe perguntasse - fala, amendoeira - por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
- Não vês? Começo a outonear. É 21 de Março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono.Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
- E vais outoneando sozinha?
- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
- Somos todos assim.
- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exactamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
- Não me entristeças.
- Não, querido, sou tua árvore-da-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonizes com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-te com dignidade, meu velho.
Carlos Drummond de Andrade - Fala, amendoeira (1957)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O que é, o que é?

De novo, muita gente deve saber a resposta. Mas outro bom tanto, talvez não. Arrisque um palpite, conte o que sabe, colabore. Resposta na segunda-feira. Bom fim de semana!

Os ovos pequenininhos das garnisés da Nina Horta

Elas já dormiam ontem à noite quando estive lá. Elas, as garnisés. E sabe-se lá empoleiradas onde. Mas seus ovinhos estavam sobre a mesa da Nina como pequenas joias admiradas por mãe e filha que não se animaram a comê-los. Dulce, meio cismada - seriam seguros? Nina queria continuar mimando os ovinhos translúcidos de marfim, como a galinha choca. Em pleno quintal de Pinheiros, todos os dias, dois ovinhos. Pequenininhos, pequenininhos. Que apareceram na crônica da Nina de ontem. Aí está para quem não lê a Folha:
Folha de S. Paulo - Ilustrada - 23 de setembro de 2010
NINA HORTA
As duas garnisés
Vamos e venhamos, a galinha é burra.
Mas é uma burrice deliciosa, como a burrice das loiras
POIS NÃO é que ganhamos duas garnisés. O galo não veio porque a vizinhança poderia reclamar com aquele brado matinal de "Aux armes, citoyens!" Pois foi mal chegarem e se instalaram. Galinha tem isso de bom, não há lugar no mundo onde não se acomodem, como se já vivessem ali há anos.Uma vez, aqui perto, um caminhão de leghorns caiu de banda com centenas delas cocoricando, alvoroçadas. Na frente do desastre, havia uma escola, dispararam para o pátio e, antes que chegasse a polícia ou o guincho, já se empoleiravam nos balanços, gangorras, bicavam os cantinhos do muro, examinavam com exagerada atenção o que imaginavam o ponto final da sua trajetória.
Vamos e venhamos, a galinha é burra. Mas é uma burrice deliciosa, como a burrice das loiras. Essas duas que ganhamos andam numa coreografia de balé. A castanha venera a pedrês e andam juntas, como rei e rainha, o rei sempre dois passos atrás indicando que é mandado. Se a pintada se jogar de um quinto andar, a outra vai junto sem piscar.
O assunto é comer e procurar comida, dia após dia e ir deitar bem cedo num sono de beleza. Nem descobrimos ainda onde dormem, parece que é lá em cima da jaboticabeira que dá seis frutos redondinhos e doces por ano. Não entendem absolutamente que moram lá fora e nós aqui dentro. Qualquer distração e já estão passeando na sala de jantar, espantando os corredores, bicando as luminárias baixas, raspando os pés no tapete. São totalmente insensíveis em matéria de amizade, querem morar conosco, contanto que não sejam assediadas nem obrigadas a sentar no nosso colo e assistir o horário eleitoral ou o futebol. Independentes que só elas.
Vocês já leram com atenção a carta de Pero Vaz de Caminha? Preciosa. Pois ele conta que os índios não se assustaram com novidade alguma. No entanto, ao verem uma galinha, se afastaram cheios de medo. Ora, podiam não conhecer uma galinha, mas conheciam aves sem-fim, de todas as cores e gritos. É claro que a galinha que lhes foi mostrada já viajava há 42 dias nos porões, piolhenta, magra, tonta do mar. Quando Pedro Álvares a pegou pelas pernas e a levantou, ela imediatamente deve ter começado o número que lhe é próprio, o escândalo, a gritaria desenfreada, o bater de asas, o coração disparado com a proximidade da panela.
Deve ser uma sabedoria vinda do tempo desses enormes animais extintos, pterodáctilos, dinossauros, não sei nada deles, quem é um ou outro, só sei que quando remontados por arqueólogos se parecem muito a galinhas gigantes. Por enquanto comeram as couves altas e as amoras caídas no chão, não gostam de miolo de pão, imagino que qualquer dia teremos a dieta da galinha, pois bicam o dia inteiro e estão umas Bündchen, pescoços e pernas alongados. E ovos, o inacreditável, todo dia botam ovinhos pequenos e transparentes, é tamanho o milagre que até desconfio de pintos ET como nos filmes de horror. Minha ideia primeira era dar a receita de uma canja de galinha, esse remédio potente contra tudo, até crises existenciais. Mas sempre se pode procurar alhures.
ninahorta@uol.com.br

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

É primavera 2. Mostra de Jardins com tema Alimentação

Para celebrar a Primavera, o Parque do Ibirapuera inaugurou nesta semana a mostra de jardins com o tema Alimentação - de corpo e de espírito. Trata-se de uma versão brasileira do Festival Internacional de Jardins de Chaumont-sur-Loire. Para visitar os jardins franceses, clique aqui.

Esta primeira edição fora da França, com a curadoria de Felipe Chaimovich e Chantal Colleu-Dumond, traz nove jardins distribuídos espaçadamente entre o prédio do MAM e a marquise e conta com a participação de artistas brasileiros famosos como Ernesto Neto e Beatriz Milhazes, além de paisagistas franceses.

Fui ontem porque sabe-se lá como estarão aqueles pés de berinjelas e tomates daqui a alguns dias, não sei se serão trocados. Mas a exposição fica até o final de dezembro. Se eu fosse você, iria logo.
Melhor que ficar falando, é mostrar um pouco do que vi por lá. Quem sabe se anima ou, se não puder ir, pelo menos passeie um pouco virtualmente com as fotos.

É primavera!

É primavera, testeira nova para o Come-se. Sofro de apego crônico pelas coisas de que gosto, mas é preciso renovar, sem abandonar. Guardar numa caixinha, rever e reapresentar depois, como as folhas vermelhas da sete-copas que caem para dar espaço para os brotos de primavera que também vão virar folhas que crescem, avermelham e caem. A ilustração das galinhas, feita pela amiga Dulce Horta, vai estar sempre aqui por perto, porque mandei enquadrar o original. E pode voltar um dia.
Já era uma coisa que queria fazer, mudar a testeira do blog a cada início de estação. Vamos ver se agora consigo, inaugurando a fase desapego com o desenho do amigo Andrés Sandoval, ilustrador super requisitado e que ainda assim presenteou o Come-se com suas cores (já falei dele aqui). Mas esta é só uma pequena (pra mim, enorme!) amostra do seu trabalho. Você vai se encantar com suas ilustrações. Veja no site: www.andressandoval.com.
A foto acima foi feita no sítio, em Fartura, pela amiga Mônica Manir, quando numa primavera resolvi colocar mais flores na casa (deve ter uns cinco anos isto). Depois de costurar as capas para o sofá ainda sobrou chita, então resolvei fazer o vestido para ornar.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Churrasco na laje

Uma vista boa e uma videira despontando na casa do vizinho
Para quem não sabe, São Paulo é famosa pelo churrasco farto, especialmente de rodizio. É o que todo estrangeiro quer conhecer quando chega por aqui. Além da caipirinha, claro. Mas há outro tipo de churrasco praticado em maior escala de que pouca gente fala. É o churrasco na laje, intimamente associado ao aspecto arquitetônico de bairros residenciais mais adensados.
Coisa de São Paulo e Rio, talvez (outras capitais?), já que laje é a parte social das casas, geralmente improvisada, com a dupla função de servir de cobertura no sentido literal de proteger e ao mesmo tempo, enquanto não recebe o andar de cima que um dia há de vir, servir de cobertura no melhor sentido do lazer. É o lugar da casa onde cabem todos os amigos, onde se abriga uma churrasqueira e de onde se costuma ter uma vista privilegiada, seja para o mar no caso do Rio, seja para o próprio bairro iluminado no caso de São Paulo. E para ser um verdadeiro churrasco na laje o ideal é que a topografia do bairro seja em relevos. Quanto mais morro, mais bonita é a vista, acima ou abaixo de você.
Muita carne preparada pelo amigo mais talentoso da casa é outra condição. Sem falar na cerveja bem gelada, muita salada, mandioca cozida, pão, farofa e vinagrete apimentado. E não pode faltar, é lógico, um pagode, de preferência com som ao vivo dos pagodeiros da vizinhança que fazem qualquer mau-humorado a arriscar uns passinhos. Mas, devo lembrar, mau-humorados não vão a churrascos na laje, certo?
Pois no sábado, tive o privilégio de participar de um destes churrascos no bairro da Casa Verde, organizado pelo Ivo e pela Mara, do restaurante Tordesilhas. A laje do Ivo é uma grande varanda que foi coberta, e as laterais receberam lonas para cortar um pouco o frio úmido que queria participar da festa à força. Mas o que esquentou mesmo foram a caipirinha, a cerveja, a carne macia, o legumes grelhados, a quentura da churrasqueira e principalmente o calor humano de muitos amigos. A carne foi saindo aos poucos, sempre quentinha e suculenta, acompanhada de legumes grelhados como jilós, cebolas, fatias de berinjela ou de abobrinha brasileira. Uma delícia que eu quero sempre!


terça-feira, 21 de setembro de 2010

É tempo de amoras


Morus nigra, mulberry, amora de árvore ou simplesmente amora, da amoreira. Os frutos desta árvore frondosa são parecidos com as framboesas - e de amoras e framboesas já falei aqui. Apesar da semelhança, amoras pertencem a outra família, outro gênero. É difícil acreditar, mas a amoreira é parente da jaqueira e da fruta-pão, da família das Moráceas, mas não das framboesas, uma Rosácea como as rosas.
Além da negra, mais comum, há ainda a amora branca, Morus alba. E podemos encontrar também diversidade de estilos nos frutos - mais redondos, bem compridos, mais doces, mais ácidos.
A planta é de origem asiática, mas hoje habita vários cantos do mundo, incluindo no Brasil. É rústica e sua dispersão fica basicamente por conta dos pássaros, sendo possível encontrá-la em várias calçadas e praças de São Paulo. Os pezinhos germinam espontaneamente durante a primavera quando as aves chegam a ficar com intestinos desandados de tanta amora que comem, manchando carros e calçadas que por ventura se põem abaixo das comilonas.

Aqui no meu bairro posso contar pelo menos cinco amoreiras bem perto de mim, de modo que quando quero fazer uma geleia ou enfeitar um bolo, basta ir lá colher. Em Fartura também temos uma árvore carregada e aproveitei a ida pra lá no feriado para fazer geleias que já se acabaram. Por isto, neste fim de semana aproveitei a companhia dos amigos Carlos e Mônica e colhemos mais um pouco para decorar um bolo e fazer geleia que também virou molho.
No post Boa safra de amoras em São Paulo, o O Isaac Kojima, do blog Onivoro, que tem um serviço bem útil de mapear as árvores frutíferas de São Paulo (prometi colaborar, mas ainda não me acertei), disse que já fez cinco quilos de geleia com as amoras paulistas desta temporada. Apesar da delícia destes frutos muito nutritivos, ricos em antioxidantes, pouco calóricos e muito doces, aromáticos e suculentos, a gente não os encontra nos mercados para compar. Então, vamos à coleta urbana!


Marcos, Carlos e Mônica coletam enquanto eu descanso e fotografo

Tarcila, minha sobrinha, e o amigo Carlos decoram o bolo com as amoras da praça

Até que não ficou mau. A receita é daquele chiffon cake super fofo da Mari Hirata, sem o matcha, coberto com chantilly (creme de leite fresco e gelado batido, adoçado com um mínimo de açúcar e aromatizado com baunilha orgânica) e decorado com amoras e morangos. A foto do bolo cortado foi feita às pressas, antes que acabasse

Geleia ou chimia de amora: lave bem as frutas e corte fora os talinhos com uma tesoura (não sei porque todo mundo reclama quando peço isto). Meça em xícaras e use a metade do volume em açúcar. Para fazer um vidro pequeno usei 2 xícaras de amora e 1 de açúcar. Antes de colocar os dois ingredientes no liquidificador, reserve um pouco das amoras inteiras. Triture grosseiramente as amoras com o açúcar e um pouco de água - numa quantidade apenas suficiente para facilitar o trabalho do aparelho. Se quiser, bata já na panela com uma mixer. Leve a panela com a mistura batida e as frutas inteiras ao fogo e cozinhe, mexendo de vez em quando, até conseguir um doce cremoso. Coloque ainda quente num vidro aferventado, escorrido e também quente. Feche bem e deixe esfriar. Guarde na geladeira e use para passar no pão ou como complemento de sobremesas - sobre um pedaço de bolo, torta de queijo ou pudim, diluída num pouco de suco de laranja para virar calda de sorvete, ingrediente para iogurte batido etc. Ou para fazer molho para salada. Se fizer em quantidade maior e quiser conservar por mais tempo, tem que esterilizar. Aliás, veja também compota de amora da Marisa Ono.

Uma salada de folhas silvestres e algo amargas combina com este molho adocicado
Molho de amoras para salada
1 colher (sopa) de geleia de amoras
4 colheres (sopa) de azeite de oliva
2 colheres (sopa) de vinagre de vinho tinto
1/2 colher (chá) de sal ou a gosto
Pimenta-do-reino a gosto
Coloque todos os ingredientes numa tigelinha e mexa bem com batedor de arame ou garfo até emulsionar. Se quiser, coloque tudo dentro de um vidro, tampe bem e chacoalhe para homogeneizar.
Rende molho para 4 porções de salada