quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Pacu fresco – não se engane


Outro dia, quis fazer polvo no jantar em que receberia minha amiga e ex-cunhada Leda, que há muito mora em Paris. Mesmo quando me programo para fazer algum prato, não consigo ter sorte. Chego ao lugar e vejo minha expectativa frustrada por falta de qualidade. E São Paulo não é o tipo de cidade em que a gente pode sair batendo perna de comércio em comércio à procura do item perfeito. Tem que aprender a conviver com o improviso. Normalmente já faço isto: planejo o que vou comer depois de voltar do mercado e não o contrário. Mas, neste dia, queria polvo para fazer um pulpo a la gallega, com bastante pimenton de la Vera (páprica defumada). No Extra, o polvo estava bonito, e sempre consigo, ou acho que consigo, informações privilegiadas do vendedor fingindo: “olhe, hoje eu vou receber para jantar o maior especialista de pescados e não posso passar vergonha de jeito nenhum”. E olhe que desta vez o polvo estava realmente bonito, mas não me custava confirmar. E o vendedor: “ah, sendo assim, melhor levar outra coisa porque o polvo já tem 2 dias. Que tal o pacu? chegou agora há pouco”. Bem, não dava pra negar. O bichão estava lindoso, tão fresco que parecia respirar mexendo o beicinho. E eu já comi pacus deliciosos, principalmente os do Pantanal. Sugestão aceita.
Temperei com muita erva e alho, admirando o frescor e o brilho úmido da carne. Um cheirinho de peixe de rio que eu não conhecia, mas pequeno. E a carne, que carne!, dava vontade de tirar uma lasca, temperar com sal e limão e inhaque.
Na hora do jantar o bichão com a pele tostadinha recebeu elogios. Eu fiquei comendo salada por mais tempo e a Suzana, minha irmã, comentou: "gosto forte, né?" - O cunhado concordou tentando atenuar que era assim mesmo e que o tempero estava muito bom. "É forte, mas é bom", continuou a Leda minimizando. Franzidinha na testa e ... xiii, o cara me sacaneou, pensei. No primeiro naco na boca, quase golfei. Era uma carne fresca com gosto de lodo. Não, melhor, era um lodo travestido de peixe fresco. Claro, pacu criado. Como não pensei nisto ao comprar?
Estes peixes são como frangos de granja. Confinados, recebem ração provavelmente enriquecida com hormônios e antibióticos para evitar doenças que aparecem nestas situações estressantes. Vivem para comer e engordar. Arrastam-se barrigudos no lodo, dando topadas um no outro e devem desenvolver distúrbios psicológicos e alimentares aberrantes para a espécie, como uma geofagia exagerada e patológica. E nada de nadar. Cadê meu rio?
Gente, isto é puro chute. Quem tiver informações de criação de pacus e hábitos alimentares do bicho, que se manifeste. Mas, ali, com aqueles dois quilos de lodão assado lixo afora, esta intuição me pareceu a mais incontestável verdade.
Normalmente peixes como a curimbatá ou carpas têm certo gosto de barro, que eu bem conheço e não rejeito. Estes peixes comem lodo do fundo dos rios para tirar matéria orgânica essencial para o seu desenvolvimento - composta por sementes, protozoários, insetos, algas e microorganismos. O que eu sei é que o gosto de barro se dá pela presença de um óleo chamado geosmina, produzido pela decomposição das cianobactérias presentes entre os detritos. Tudo isto é normal, mas está claro que houve no pacu uma aberração. É, pois é, acho que o peixeiro me sacaneou mesmo. De hoje em diante prometo nunca mais mentir para conseguir o que me é de direito.

Qualquer dia, quando encontrar polvo fresco, faço o pulpo a la gallega e dou a receita. Por enquanto, quem tiver um bom polvo por perto e quiser se fartar, veja a receita aqui no melhor site espanhol dedicado ao consumidor (consumer.es). Do pimentón de la Vera também falo outra hora.
(obs: Vatel teria se matado e Jacinto, se jogado no poço do elevador de comidas, mas na minha casa só recebo amigos com quem posso dividir as tragédias com riso e tudo terminou bem, continuamos dando risada, comendo salada de batatas com mostarda, pão quente e vinho gelado - mas, pacu agora, só no Pantanal)

12 comentários:

Laurinha disse...

FRUSTANTE!!!

Humpf!

Beijinhos,

Anônimo disse...

Neide,

Sobre o pacu não sei, mas o pulpo a la gallega, ou pulpo a feira, é MUUUITO bom... tive o privilégio de experimentá-lo na própria Galicia, em Santiago de Compostela em setembro passado, e ao ler teu post me deu uma saudade de comê-lo!!

Muito legal que você achou a receita da Eroski, parece ser super simples de se fazer, só preciso entender melhor como se assusta o polvo :) rsrsrs.

Parabéns pelo blog

Migas disse...

Realmente, que desilusão! Infelizmente hoje é difícil termos a certeza da qualidade e proveniência do peixe que comemos. Em Portugal, a legislação já está apertada mas acredito que de vez em quando, lá se compre gato por lebre. Fico è espero do polvo! Adoro!

Beijinhos

Ana Canuto disse...

Você sem querer acabou subvertendo o ditado de comprar gato por lebre e acabou levando um cascudo por pacu....Dilemas dos onívoros....(Já leu o livro ? )

Bem, já que o posto é de peixe e estamos em plena Quaresma, tenho notado que algumas bancas do mercado da cidade onde moro, armazenam as postas de bacalhau na geladeira, envoltas por filme plástico. Aí, durante o expediente expõem o peixe que fica "suado" dentro da embalagem de isopor/filme plástico e à noite volta pra geladeira.

Você já viu isso ? Tenho dúvidas quanto à segurança alimentar neste caso. Será que isto está correto ? O sabor, certamente será alterado.

Na minha cabecinha já que o bacalhar é seco e conservado no sal, assim é que deve ser mantido.

Se você tiver informações, conte pra gente.

Beijos da Ana.

laila radice disse...

acho que deveria sre informado se o bichinho era de cativeiro ou pescado...assim evita frustrações! era o mínimo!!!

bjos

Anônimo disse...

Você reclamou no Extra ? Bem ou mal, eles teriam obrigatoriamente que ter a informação da procedência do peixe além de que o balconista te indicou o peixe. E como ele estava bonito, imagine a quantidade de pessoas que foram enganadas junto com você !
E de polvo eu gosto bastante mas é duro de achar o ponto certo!

Fer Guimaraes Rosa disse...

Neide, apesar de tudo, essa foto ficou bacanerrima! ;-)

Eu tenho um certo horror a peixe de fazenda, leio coisas horroriveis. Mas ai, que tem tantos rios e uma costa imensa, ha necessidade de criar peixe?

Outro dia li uma noticia no blog no Mark Bittman do NYTimes que foi aprovada uma lei aqui na California que permite que o consumidor processe o vendedor, se a embalagem do salmao de fazenda nao especificar a origem e a adicao de corante no peixe. O consumidor TEM o direito de saber o que esta comprando e comendo, nao?

um beijo!

Anônimo disse...

Prezada Neide
Eu também acho que o consumidor tem o direito de conehecr a origem do peixe, não é não?
Sempre fico com um pé atrás tratando-se de peixe vendido nas grandes lojas...nada como deleitarse com peixes de rio, como na minha terra, Esquina, Corrientes,Argentina
Um abraço

Anônimo disse...

Prezada Neide,

Normalmente, para visitas, não cozinho nada diferente. Vou no tradicional, mesmo porque, são poucas pessoas que apreciam um bom peixe, ou uma receita mais estravagante, seja ela qual for.

Sempre prefira uma boa lazanha, ou um macarrão com molho mais tradicional, ou quem sabe até um arroz, feijão, bife e batata frita (as vezes, pessoas que moraram fora, adoram comer arroz com feijão, por incrível que pareça).

Isto pode ajudar a preservar a amizade - rs.

Para testar alguma receita nova, normalmente faço qdo estou sozinho com a família, que sofre um pouco, embora as minhas crianças sempre participam e aprendem alguma coisa, embora nem sempre gostem ou comam o prato preparado.


Em relação ao pacú, ele realmente tem este gosto (mesmo que fosse do rio, eles se arrastam no lodo sim.

Mas, em relação a peixe, você não pode generalizar: cada peixe, tem um gosto totalmente diferente do outro.

Sardinha é diferente de pacú, que é diferente de camarão, que pe diferente de pescada branca, salmão, atum, etc, etc; e na cozinha, cada um tem sua aplicação específica.

Ex:
- sardinha se dá melhor como conserva/ escabeche;
- bagre: apenas frito ou molho mais caipira (tomate, cebola)
- pacú: assado ou frito a milaneza, como postas (tempero apenas limão e sal).
- salmão: há algumas boas receitas de salmão, sendo a mais simples o grelhado...
- pescada: frita ou molho alcaparras é uma bela pedida.

O problema, pe que leva tempo para entender como aplicar cada uma destas carnes, e não adianta, normalemtne tentar fazer uma receita trocando os peixes por outros.

Esta é a regra básica.

Em relação a saber se o peixe está fresco ou não, é simples, basta olhar o aspecto geral do peixe, e isto quem deve fazer é o comprador.

Não adianta culpar o rapaz da peixaria pela tua falta de conhecimento e tato porque a visita não gosta de peixe.

Anônimo disse...

Cara Ana:

O sal atua como conservante para ao bacalhau desde os primórdios. Os primeiros registros datam de 4.000 AC.

Com ou sem geladeira, o que vale como conservante, neste caso, é o sal.

Neide Rigo disse...

obrigada, Anônimo, pelas sugestões. Pode deixar que vou segui-las ao pé da letra. Na medida do possível, é claro. Mas quem me conhece ou já acompanha há algum tempo este blog sabe que eu jamais faço lazanha, bifes ou batatas-fritas nem para minha família, quanto mais para visitas. Nada contra, de verdade. Mas meu estilo é outro e quem vem em casa já sabe que pode esperar de tudo, inclusive uma experiência mal-sucedida. Porém, você tem razão. Eu deveria ser diferente, agir com bom-senso. O problema é que eu não consigo.

Mas, só para deixar claro, minha amiga estava há mais de um mês aqui no Brasil comendo arroz e feijão e gosta de comer na minha casa justamente porque é sempre uma surpresa. O mesmo em relação à minha irmã. E não foi um jantar formal, estas pessoas são muito, mas muito íntimas, mesmo. Depois, eu conheço bem pacu, já comprei várias vezes, gosto de fazer na brasa ou no forno, porque é um peixe gorduroso. Não foi uma experiência, neste caso. E eu ADORO pacu exatamente do jeito que fiz. Só que, como disse, neste, o gosto de barro era DEMAIS. Eu me considero razoavelmente uma boa reconhecedora de peixes frescos. E geralmente acerto nos preparos. Sei que cada peixe tem um preparo ótimo. Não vou usar sardinhas para moquecas.

Quanto ao vendedor, desculpe se o ofendi, não foi minha intenção. Tanto que nem disse o nome da pessoa, embora saiba. Foi uma brincadeira dizer que ele me sacaneou. Provavelmente ele nem sabia de onde vinha aquele peixe lindo e barrento.

De qualquer forma, obrigada pelas dicas.

Um abraço,
Neide

Anônimo disse...

Bom dia,
Mas como você mesmo deixou o convite eu vou me manifestar sobre a criação de pacu.
Bem, peixes não são engordados com antibióticos ou ficam confinados em espaços apertados durante a criação. Não é por isso que pacu de criação tem esse gosto de lama. Isso se deve a um microrganismo que cresce na pele do animal de cativeiro e dá esse sabor de barro na carne, coisa que não acontece com os animais do Pantanal.
Ainda gostaria de dizer que piscicultura é muito melhor para essas espécies, uma vez que a pesca de animais marinhos está dizimando a fauna e daqui alguns não haverá peixe no mar. Olhe os japoneses: não existe mais peixes nos mares do Japão, sendo que eles pescam em alto mar, bem longe das suas ilhas. Deseja o mesmo para a fauna de água doce?
Pensem nisso.