quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Feijão canapu


O louro é homenagem à leitora Verônica, que me trouxe um galhinho do seu quintal. A folha já entrou no papo.

Desde que voltei do Terra Madre a comida aqui em casa tem sido feita com os ingredientes que trouxe de Brasília. Queria ter mais tempo para fazer pratos elaborados ou como manda a tradição, mas havia tantos chefs lá, deixo para eles a tarefa.

Tanto o feijão canapu, de Campo Grande do Piauí, quanto o arroz vermelho, do Vale do Piancó, fazem parte do projeto de Fortalezas do Slow Food, criadas para proteger produtos artesanais de excelência e apoiar pequenos produtores através de várias ações a fim de garantir o futuro das comunidades locais. São alimentos cultivados sem uso de defensivos agrícolas e de maneira ecologicamente sustentável. Além disso, os dois produtos estão fortemente ligados à identidade cultural da população que os produz.

Sobre o feijão canapu
A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem catalogadas 300 variedades de feijão-de-corda, conhecido como caupi ou feijão-vigna - o nome científico é Vigna unguiculata. O canapu é uma destas variedades, trazida da África Oriental, no século 16, pelos escravos.
Sobre o feijão-de-corda, para quem tiver interesse (auto-plágio de um texto que fiz para a coluna de cozinha da revista Caras)

O termo tem a ver com o tipo da planta trepadeira, diferente dos outros feijoeiros que crescem em moitas. Por isso também os maranhenses o chamam de “trepa-pau”. No Pará ele é “quebra-cadeira”, uma referência à posição curvada em que ficam os trabalhadores durante a colheita. Já o nome caupi tem origem no termo inglês cowpea - por ser usado também como forragem -, que serve para denominar tanto o feijão-de-corda quanto o feijão-fradinho, pois ambos são uma só espécie, de variedades diferentes. Os feijões mais populares (carioquinha, roxinho, rosinha) são do gênero Phaseolus e apresentam vagens menores.

Em comum, as variedades de feijão-de-corda são anuais e têm como características a rusticidade, ser tolerante a seca e solos pobres e suportar bem estresses térmicos de regiões onde a temperatura na superfície do solo pode atingir mais de 40 ºC. Por isso é uma cultura bem adaptada na região semi-árida do nordeste brasileiro, onde representa a principal cultura de subsistência de pequenos e médios agricultores.

A vantagem em relação aos outros feijões, além da rusticidade da cultura, é que estes feijões podem ser usados em todos seus estágios. Embora não seja comum por aqui, as folhas mais verdes e tenras são importante fonte alimentar na África e podem ser preparadas do mesmo jeito que qualquer outra verdura. Nunca me deparei com um pezinho deste feijão, mas vou tentar plantar. E assim como os japoneses consomem a vagem de soja verde ou como comemos nossas vagens verdes sem nome, neste caso também as vagens imaturas podem ser usadas, freqüentemente misturadas a outros vegetais. E as sementes verdes são cozidas como os grãos frescos de ervilhas.
Como o que eu trouxe do Terra Madre foram os feijões secos, preparei como feijão comum junto com carne de paleta, na falta de uma carne seca, que deve ficar bem melhor. Iria bem ainda um pouco de manteiga de garrafa (a minha estava rançosa). Dizem que ele tem sabor com notas de grama recém cortada, palha e nozes. Infelizmente preciso ainda aprender a degustar feijões canapus. Estou a léguas de distância deste refinamento, pois achei o sabor delicioso e muito parecido com o feijão de corda que costumo comprar aqui no Mercado da Lapa (vai ver é um canapu e eu não sabia). Mas, só em saber que ainda conservamos estas variedades de feijão e que ainda temos tempo de impedir o reinado absoluto do carioquinha, fico feliz.
Feijão canapu com paleta bovina

Com arroz vermelho (falo depois) e ora-pro-nobis no alho e azeite
2 colheres (sopa) de óleo (usei o de licuri, mas poderia ser manteiga de garrafa)
3 dentes de alho
700 g de músculo de paleta bovina cortado em pedaços
Sal a gosto
1 xícara de feijão canapu ou feijão-de-corda, lavado, demolhado por 5 horas e escorrido
2 folhas de louro
5 xícaras de água quente
Meio pimentão vermelho
1 pimenta dedo-de-moça sem sementes, picada
1 cebola picada
Chicória-do-Pará, coentro ou salsinha

Coloque na panela de pressão o óleo e o alho e refogue até dourar. Junte a carne com um pouco de sal e deixe dourar, mexendo sempre. Junte o feijão, a água e a folha de louro e cozinhe por cerca de meia hora (fogo baixo depois que pegar pressão) ou até ficarem macios o feijão e a carne (eles cozinham em tempos iguais). Junte mais água quente e cozinhe mais um pouco, se necessário. Corrija o sal, junte pimentão, a pimenta e cebola e cozinhe por mais 10 minutos. Se quiser, junte um pouco de colorau (urucum). Na hora de servir, tempere com chicória-do-Pará (era o que tinha no quintal), coentro ou salsinha picada. Um pouquinho de manteiga de garrafa por cima também vai bem. Sirva com arroz vermelho (depois falo dele).

Rende: 6 porções
Obs: o feijão-de-corda não engrossa muito o caldo, mas o colágeno do músculo foi providencial para espessá-lo e deixá-lo untuoso.

8 comentários:

Anônimo disse...

este arroz vermelho parece muito com o que eu trago sempre da feira orgânica, ele é muito aromático e tem um gosto delicioso, aqui é difícil conseguir, eu compro direto do produtor que só cultiva ecologicamente diversos tipos de arroz integral.Este arroz para mim é um banquete!beijo.

Anônimo disse...

Neide,
Estou adorando as resenhas sobre os produtos do Terra Madre! Tomara que essa série dure um tempão para a gente saber um pouco mais das delícias que você encontrou lá.

Queria fazer uma pequena observação: o link para "Fortalezas do Slow Food" parece estar com algum probleminha, pois está apontando para "http://www.blogger.com/www.slowfoodbrasil.com"
Acho que quando a gente esquece de colocar "http://" antes do endereço o Blogger faz isso com o link.

Abraços,
Maria Thereza

Anônimo disse...

Parabéns ! O Come-se está cada vez mais informativo e curioso. Eu, por exemplo, descobri agora que uma muda que a minha mãe me deu de uma cereja diferente era de cereja do mato. Como ela já está rendendo frutos, farei a receita que você propôs. E você já fez alguma receita com ora-pro-nobis pois a minha planta também começou a crescer bastante ( até flores tem!) e eu gostaria de aproveitar as belas folhas .

Neide Rigo disse...

Oi, Mariangela,
deve ser da mesma variedade. É uma delícia.

Obrigada, Maria Thereza! Acho que deu tilti. Vou arrumar.

Oi, Eduardo! O ora-pro-nobis eu faço assim, refogadinho. Ou com frango - coloco no final, como quiabo. Deixo sempre as folhas inteiras, pra não criar baba. Mas há infinitas receitas com ela. Preciso arrumar tempo para postar algumas aqui.

Abraço, N

Fer Guimaraes Rosa disse...

esse prato de rango brejeiro esta fantastico e essa foto com o fundo de chita me fez quase chorar. lindo demais, tanta coisa legal! um beijo,

Paloma Bianchi disse...

Esse arroz vermelho... é aquele que tem aroma de pinhão? Uma amiga minha me falou dele outro dia e fiquei bem interessada. Depois posta onde encontra!
Gosto muito do seu blog!

Neide Rigo disse...

Paloma,
este arroz, pensando bem, tem sim um gostinho de pinhão, mas discreto. Há vários produtores espalhados pelo Brasil. Eu sempre encontro no Mercado da Lapa, mas imagino que possa encontrar em qualquer mercado popular ou entrepostos de produtos orgânicos.

Sara Claros disse...

Veo esta comida y me transporto de inmediato a la casa de mi abuela... que mágicos recuerdos y que comida tan deliciosa pude probar de ella, se parecía mucho a lo que muestras aquí!